O que é Sistema Endocanabinoide e como ele atua em nosso organismo

Os canabinoides pertencem a uma classe de substâncias químicas encontradas em maior quantidade em espécies botânicas como a Cannabis sativa. Nas últimas décadas, estudos vêm demonstrando que o organismo humano possui alvos de ligação para estes compostos (chamados de receptores canabinoides), bem como sintetiza substâncias químicas muito semelhantes aos canabinoides – os endocanabinoides. Além disso, tanto os canabinoides quanto os endocanabinoides têm sido implicados na regulação de inúmeros processos biológicos e, desta forma, o potencial terapêutico destes compostos tem sido extensivamente estudado.

O sistema endocanabinoide é constituído pelos endocanabinoides (eCBs) anandamida (AEA) e 2-araquidonoilglicerol (2-AG), que se ligam a receptores canabinoides do tipo 1 e 2 (CB1 e CB2) presentes tanto no sistema nervoso central (SNC) como no sistema nervoso periférico (SNP). Enquanto a AEA atua como um agonista parcial de CB1 e CB2, o 2-AG é um agonista pleno dos receptores canabinoides, principalmente de CB1. Mas afinal, como estas substâncias atuam em nosso organismo?1

A AEA e o 2-AG são derivados do ácido araquidônico, um ácido graxo presente nas membranas celulares e que atua como precursor para a síntese de diversos compostos bioativos. A produção destes eCBs ocorre sob demanda do organismo e em resposta ao aumento da concentração de cálcio intracelular. Enquanto as enzimas N-acil fosfatidiletanolamina fosfolipase D (NAPE-PLD) e lipase de diacilglicerol (DAGL) estão envolvidas na produção de AEA e 2-AG, respectivamente, a degradação destes eCBs é mediada pelas enzimas amida hidrolase de ácidos graxos (FAAH) e lipase de monoacilglicerol (MAGL).

Os receptores CB, por sua vez, pertencem à família de receptores acoplados à proteína G, e são classificados em CB1 e CB2. O CB1 é expresso principalmente no SNC, sendo o receptor acoplado à proteína G mais abundante do cérebro. Encontra-se amplamente distribuído em neurônios pré-sinápticos, medula espinhal e nos gânglios da raiz dorsal. Quando ativado, CB1 atua em diferentes mecanismos celulares, incluindo a inibição dos canais de cálcio dependentes de voltagem na membrana pré-sináptica de neurônios excitatórios e inibitórios, o que resulta no bloqueio da liberação de neurotransmissores (principalmente glutamato e GABA) na fenda sináptica, inibindo a neurotransmissão. Em contrapartida, estudos demonstram que a ativação dos receptores CB1 presentes na membrana celular de astrócitos promove a liberação de glutamato, favorecendo a gliotransmissão.2,3

Já o CB2, é encontrado em menor quantidade no SNC e está localizado principalmente no SNP e em células do sistema imune, incluindo microglias (células imunológicas do cérebro), macrófagos, células linfoides e mieloides, assim como em mastócitos. Embora os efeitos da ativação de CB2 ainda sejam pouco compreendidos, estudos sugerem que a expressão deste receptor encontra-se reduzida em situações fisiológicas e aumentada em condições patológicas, sugerindo um papel protetor deste receptor. Adicionalmente, a ativação de CB2 tem sido associada à estimulação da neurogênese, bem como à regulação do humor e da cognição.2,3

Além da interação entre eCBs e receptores CB1 e CB2, estudos demonstram que outros mediadores e receptores também podem estar envolvidos nas vias de sinalização do sistema endocanabinoide. A AEA, por exemplo, além de ativar parcialmente CB1 e CB2, também atua como um agonista pleno dos receptores vaniloides de potencial transitório 1 (TRPV1, do inglês “transient receptor potential cation channel subfamily V member 1”). O TRPV1 é um receptor amplamente expresso em neurônios periféricos, estando envolvido na regulação da transmissão sináptica associada à modulação da nocicepção e inflamação. Por fim, estudos demonstram ainda que os receptores PPARγ e PPARα, bem como o receptor acoplado à proteína G, GPR55, também podem ser regulados pelos eCBs, exercendo funções anti-inflamatória e neuroprotetora.2–6

 

Desta forma, o sistema endocanabinoide tem sido descrito como um dos sistemas bioquímicos mais complexos e relevantes do organismo humano, que atua em diferentes tecidos e órgãos modulando as respostas imunológicas, a comunicação neural, a sinalização celular, entre muitos outros processos biológicos. No trato gastrointestinal, por exemplo, a ativação dos receptores canabinoides modula a motilidade, a secreção do suco gástrico e hormônios, o apetite, bem como a permeabilidade do epitélio intestinal. Ainda, estudos demonstram o papel importante do CB2 na modulação da nocicepção, neuroinflamação e no desenvolvimento da dependência química.2,3

 

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